Realejo
Cecília Meireles
Minha vida bela,
minha vida bela,
nada mais adianta
se não há janela
para a voz que canta...
Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo,
boca da minha vida.
Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,
nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...
Alucinação da cabeça tonta!
Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.
Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.
Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
se não há janela
para a voz que canta...
Uma possível interpretação é entender "a voz que canta" como sendo a voz do poeta/escritor. A janela seria o receptor dessa voz, ou seja, o leitor. É interessante o uso de "janela" e não de "ouvido", o que amplia as interpretações possíveis para o poema. Além de rimar com "bela"... hehe.
Na segunda estrofe a interpretação é ainda mais direta: o escritor prepara um verso muito bem feito ("com a melhor medida"), baseado nas suas próprias experiências e sentimentos ("boca da minha vida"), mas que também toca problemas universais ("rosto do universo").
Mas pouco adianta todo o seu esforço ("mas nada adianta"), e segue então no poema várias imagens que demonstram quão difícil é conseguir leitores ("planta hera no mar", "se experimenta abraçar um rio", etc).
Lendo este poema, me pergunto: quantos colegas escritores não compartilham os mesmos sentimentos? Quantos escritores, no Brasil afora, dedicam anos escrevendo seus livros, para depois não encontrar leitores? Em um país onde se lê apenas quatro livros por ano em média (ver matéria em Agência Brasil), e com um mercado dominado por traduções de bestsellers americanos, como pode um escritor brasileiro encontrar quem escute a sua voz?
Para os colegas que leem esta postagem, espero que pelo menos sirva como consolo saber que até mesmo uma grande poeta como Cecília Meireles compartilhou os mesmos sentimentos...
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