segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Clarice Lispector e a Paixão pela Literatura

Clarice Lispector é, definitivamente, uma das escritoras que mais admiro, e uma grande fonte de inspiração para meu trabalho. Recentemente, descobri no Youtube vários contos da autora, narrados por Aracy Balabanian. A atriz consegue transmitir muito bem toda a emoção do texto, alterando o tom de sua voz e a velocidade da leitura de acordo com as necessidades de cada trecho. Neste artigo, vou comentar um dos contos, chamado "Felicidade Clandestina". Recomendo assistir a leitura da atriz, cujo vídeo coloco abaixo. Mas o texto também pode ser encontrado aqui.

O conto narra a história de uma menina que sofre pela sua ânsia de ler "As reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato. Torturada por uma invejosa e cruel amiga, que promete lhe emprestar o livro, a menina passa dias e mais dias indo até sua casa, mas jamais recebe o livro prometido. É interessante que a personagem percebe que está sendo torturada, mas ainda assim se submete, tamanho é o seu desejo de ler o livro. Quando finalmente consegue tomar posse, sua paixão e seu desejo são tão intensos que ela nem mesmo consegue lê-lo.

Mesmo após ter o livro disponível para leitura, a personagem ainda procura a dor de não o ter, apenas para sentir novamente a felicidade de conquistá-lo. Isso pode ser visto nos trechos "Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter" ou "(...) fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o (...)". Como são complexos os sentimentos humanos!.. E ninguém melhor do que a Clarice para retratá-los.

Mas é a frase final que causa grande surpresa: "Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante." Subitamente, a paixão pelo livro se transforma no sentimento que uma mulher dedicaria ao seu amante. A experiência traumática da tortura, e o êxtase da posse que transcende a sua dor levam a menina a um crescimento prematuro, forçado. Ironicamente, provocado por um livro infantil. A menina passa por uma transformação interna que a leva a descobrir seus sentimentos com uma nova intensidade.

Quantas pessoas hoje compartilhariam esse amor pela literatura? Quantas pessoas hoje ainda podem sentir tanto êxtase ao tomar posse de um livro? Ou seria esse sentimento reservado à inocência de uma menina em transformação?.. Difícil responder a essas perguntas, mas espero que esse sentimento possa ser redescoberto e que muitos leitores ao abrir um livro possam sentir novamente a alegria e o amor de uma criança.

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